Quando Passarem Cinco Anos
de Federico Garcia Lorca
Tradução José Bento
Encenação Luis Miguel Cintra
Assistente de encenação Luís Assis
Cenário e figurinos Cristina Reis
Assistentes para o cenário e figurinos Linda Gomes Teixeira, Luís Miguel Santos e Susana Afonso
Coordenador técnico Luís Mouro
Desenho de luzes Daniel Worm d'Assumpção
Montagem eléctrica Pedro Marques com Rui Simão e José Valério
Operação de luz Pedro Marques
Banda sonora Francisco Leal
Operação e montagem de som Luís Miguel Lopes
Montagem Fernando Correia, Alexandre Freitas, António Madeira e Jorge Esteves
Serralharia Leonel & Bicho Lda
Construção de adereços Luís Miguel Santos, Susana Afonso, Fernando Correia com Alexandre Freitas
Guarda-roupa Emília Lima
Costureiras Aline Seco, Antónia Costa, Delfina Silva, Maria Barradas, Julieta Carvalho, Piedade Duarte e Teresa Cavaca
Alfaiataria José Carlos de Almeida
Conservação do guarda-roupa Alice Madeira
Maquilhagem Heike Giessmann
Contra-regra Alfredo Martinho e Rui Pragana
Cartaz Cristina Reis
Coordenação de produção Cremilde Mourão
Secretária da companhia Amália Barriga
Interpretação
Jovem Pedro Lacerda
Velho José Manuel Mendes
Dactilógrafa Luísa Cruz
Amigo primeiro Nicolau Lima Antunes
Um Menino Morto Luís Assis
Um Gato Morto Luís Lucas
Criado Luís Lima Barreto
Amigo segundo Ricardo Aibéo
Noiva Rita Durão
Jogador de Rugby Nuno Lopes
Criada da noiva Sofia Marques
Pai da noiva Rogério Vieira
Manequim Rita Loureiro
Arlequim José Airosa
Rapariga Márcia Breia
Palhaço António Fonseca
Máscara Amarela Manuela de Freitas
Figuras no bosque Luís Lucas e Nuno Lopes
Criada do Jovem Márcia Breia
Jogador Primeiro José Manuel Mendes
Jogador Segundo Ricardo Aibéo
Jogador Terceiro Nicolau Lima Antunes
Guitarrista João Pedro Duarte
Nota: Luis Miguel Cintra substituiu Rogério Vieira na deslocação ao Porto
Tradução A tradução segue o texto da edição crítica da peça de Margarita Ucelay, Ediciones Cátedra, Madrid,1995
Música Três Tientos para guitarra de Hans-Werner Henze (1958)
Colaboração de Maria do Carmo Vasconcellos, Nuno Vieira de Almeida, Greg Watson (Sir Winston Churchill High School, Calgary, Canadá), George Wopkins (Stampeders Football Club, Calgary. Canadá) e Familias Beck e Anderson (Calgary, Canadá)
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. Estreia: 14/05/1998
Porto: Teatro Nacional de S. João
56 representações
Uma co-produção Festival dos 100 Dias Expo 98/Teatro da Cornucópia
Companhia subsidiada pelo Ministério da Cultura
Apoios de Make Up For Ever e RDP Antena 1
“Diz-me o Tempo que a tudo dará talho; / mas o Desejo ardente, que detença / nunca sofreu, sem tento / me abre as chagas de novo ao sofrimento.” Também “Junto de um seco, fero e estéril monte” está este jovem de QUANDO PASSAREM CINCO ANOS. A ave, a fera, o rio claro, a fonte, o verde ramo, o mar alto, são as mesmas coisas de que fala. E poderia dizer, como o poeta da Canção IX: “Ah! Senhora, Senhora que tão rica / estais, que cá tão longe de alegria / me sustentais cum doce fingimento!”. “Tudo dor lhe era / e causa que padeça, mas que pereça não, porque passasse / o que quis o Destino nunca manso.” Esta peça é também, e com o peso de toda a poesia clássica que estará nas estantes da biblioteca do rapaz, o retrato de urna “alma cativa, / chagada toda,” “em carne viva, / de dores rodeada e de pesares, / desamparada e descoberta aos tiros / da soberba fortuna.” “Não tinha parte donde se deitasse, / nem esperança alguma onde a cabeça / um pouco reclinasse por descanso.” É a história de uma morte imaginada, doze badaladas sobre um ás de copas que são o eco de um dia de verão às seis da tarde, ardendo de desejo. Para enganar a dificuldade de viver. Uma fingida morte, já que não vem morte mesmo nem amor. Ah, teatro, que “de alegria me sustentais cum doce fingimento!” Para enganar o sofrimento, para mais nada. Este teatro não serve para nada. É poesia pura, inútil.
Mas encha-se o palco com a minha fantasia. Encha-se o bosque da minha imaginação com o circo dos fantasmas que me povoam os momentos, façamos outra e outra vez a festa dolorosa dos meus enganos. Esperemos a morte com o “traje de luces”. “Quero ser um menino! Um menino!” “Per bellezza”, como uma vez ouvi nas arenas de Verona. Eu acho que me entendia com a Máscara Amarela. Entendo-me com este teatro que nasce do puro desejo e se desfaz em obscena exibição de um “corpo terreno” “vil e tão pequeno”, que, à falta de sangue, inventa o sangue a correr. Concordo com o nosso poeta: “Convenhamos em que uma das atitudes mais formosas do homem é a atitude de São Sebastião”. É a invenção da generosidade, contra a mentira, a tranquilidade, a norma. “Eu não venho aqui para os entreter. Não quero, nem me interessa, nem me apetece. Eu vim, de facto lutar. Lutar corpo a corpo com uma multidão tranquila”, também disse o nosso poeta um dia que lia poemas seus diante do “enorme dragão” do público. “Eu quero veementemente comunicar convosco, uma vez que vim, uma vez que aqui estou”. Entendo-me com este teatro que transforma em escândalo o seu narcisismo e faz da fragilidade a única arma contra a desumanização. E que transforma em alegria de estar vivo a invenção da morte. É sobretudo uma maneira de estar com os outros. Talvez seja pouco mas é o que se pode arranjar. “Ali a vida cansada, que melhora, / toma novos espritos, com que vença / a Fortuna e Trabalho.”
É com esta alegria e uma enorme sensação de liberdade que voltamos ao teatro irrepresentável de Federico quase dez anos depois de O PÚBLICO. Voltamos a casa, mas é uma peça bem mais melancólica, esta. Com a ambiguidade de uma certa androginia. Aos saltos de registo e à raiva que rebentava por todas as costuras naquele grande circo grotesco, sucede a pequena música de câmara destas cenas tão íntimas que quase se esvaem na sua Iimpidez. Aos cavalos sucede o gato que é afinal gata. Não é o teatro debaixo da areia, não é terra, é ar. A dificuldade aqui é a de apanhar essa estranha densidade. Que nem por isso deixa de ser absolutamente concreta e rejeita, felizmente, a praga do discurso explicativo. Tenho na memória para sempre essa encenação genial de Vítor Garcia para o Citac em que tudo se transfigurava pela imaginação de outro poeta. Não somos gente para tanto neste ofício de intérpretes. E gostamos demais dos desenhos de Lorca e das suas próprias indicações para estas figuras (de sonho?) que invadem o quarto do rapaz para termos ousado mudá-Ias noutra coisa. Sabemos que as cores com que sonhou são parte integrante desta constelação de metáforas. O Gato é azul, o Palhaço negro, o Arlequim verde e preto, o Manequim de cara cinzenta e assim por diante. Só o rosa da Noiva lhe saiu do fato e passou para as paredes. O que fizemos foi tentar dar forma a personagens que amamos tal qual as lemos, todas juntas, isso sim, num espaço que respeita mais a paragem do Tempo em toda a peça, esse seu fatal abraço com o Sonho, que a sucessão de diferentes locais, como as didascálias sugerem. Num único local tudo se passa, local sincrético e mental de todas as imagens. O Jovem é o Jovem dos desenhos, esse do “Jovem com pirâmides”, tão irrepresentável como a peça, na sua abstracção. Duplicámos as imagens dos três senhores que no primeiro acto visitam o Jovem (O Velho, o Amigo Primeiro e o Amigo Segundo) nas caras dos três Jogadores vampiros que no final lhe sacam o coração. À maneira clássica pusemos em cena o Eco final nas duas figuras de espectáculo, o Arlequim e o Palhaço, que no Primeiro Quadro do Terceiro Acto apresentam ao público a história do “menino que queria trasformar em flores de aço seu naco de pão”. E fizemos esses dois ex-machina atravessar toda a peça aparecendo em cena para serem essas vozes (fora de cena) que não sabemos de quem são e que dizem “Espera” ou dizem “Não”. Depois foi entregar a responsabilidade deste espectáculo, que aos nossos vinte cinco anos de companhia marca por certo já muito viver, à gente mais nova que agora trabalha connosco.
“Assi vivo; e se alguém te perguntasse, Canção, como não mouro, podes-Ihe responder que porque mouro.”
Luis Miguel Cintra