SALADA (Textos dos palhaços)
Escolha de números de palhaços tradicionais recolhidos por Tristan Rémy em Entrées Clownesques, L'Arche, Scène Ouverte, Paris 1962
Montagem e tradução de textos Luis Miguel Cintra
Encenação trabalho colectivo da companhia sob a orientação de Luís Miguel Cintra
Cenário e figurinos Cristina Reis
Assistente para o cenário e figurinos Linda Gomes Teixeira
Montagem Fernando Correia
Ajudante de montagem Fernando Correia e Mário Santos Correia
Costureira Aline Sêco
Iluminação Luis Miguel Cintra e José Eduardo Páris
Operação de luzes José Eduardo Páris
Colaboração musical Paulo Brandão
Colaboração para os adereços João Calvário e Luís Mouro
Produção Amália Barriga
Secretariado e bilheteira Fátima Madeira
Interpretação
Adriano Luz, António Fonseca, Cristina Cavalinhos, Gilberto Gonçalves, Luís Lima Barreto, Luísa Cruz, Márcia Breia e Rogério Vieira
1. SALADA - 1930 Rhum/Despard-Plège, Luís Lima Barreto e António Fonseca
2. O ELEVADOR - 1945 Pipo/Rhum, Gilberto Gonçalves e António Fonseca
3. A SONÂMBULA - 1937 Alex/Porto, Luís Lima Barreto, Luísa Cruz e Cristina Cavalinhos
4. OS CHAPÉUS ESMAGADOS – 1945 Nino Fabri/Mimile/Sr.Recordier, Gilberto Gonçalves, António Fonseca e Márcia Breia
5. O FÓSFORO- 1900 (excerto), Luís Lima Barreto e Márcia Breia
6. A FLOR MARAVILHOSA – 1950 Pipo/Rhum/Sr.Recordier, Márcia Breia, Luís Lima Barreto e Luísa Cruz
7. NÃO É O MEU IRMÃO, NÃO É A MINHA IRMÃ – 1925 Dario/Bário, Antonio Fonseca e Gilberto Gonçalves
8. CARREGA E DESCARREGA 1910 Léandre/Chico/Sr.Loyal (excerto), Rogério Vieira, Adriano Luz e Márcia Breia
9. LEVANTEM O CENÁRIO! Coss/Mopp/Sr.Loyal, Rogério Vieira, Adriano Luz, Márcia Breia, Gilberto Gonçalves e António Fonseca
10. GUILHERME TELL François Fratellini/Albert Fratellini/Sr.Loyal, Márcia Breia, Luís Lima Barreto e Luísa Cruz
11. OS PRATOS PARTIDOS – 1945 Pipo/Rhum/Sr.Recordier (excerto), Luís Lima Barreto e Márcia Breia
12. ABERTAS OU FECHADAS – 1930 Tony/Pipo/Sr.Loyal (excerto), Adriano Luz e Luís Lima Barreto
13. OS ONZE DEDOS – 1948 Pèpê/Sr.Loyal/0 Chefe de Pista, Luís Lima Barreto, Gilberto Gonçalves e Márcia Breia
14. A SOPA DE ERVILHAS – 1945 Pipo/Rhum/Sr.Recordier, Adriano Luz, Rogério Vieira e Márcia Breia
15. O FRANGO - 1945 Pipo/Rhum/Sr.Loyal, Luís Lima Barreto, Márcia Breia, Rogério Vieira e Adriano Luz
16. O CLARINETE – 1954 Nino Fabri/Charly/Sr.Drena, Adriano Luz, Márcia Breia e Luísa Cruz.
17. O DUELO ENTRE DOIS PALHAÇOS - 1850-1860 Boswell/Price/O Chefe de Pista (excerto), Rogério Vieira, António Fonseca e Márcia Breia
18. A VIDENTE – 1925 Chocolat Filho/Porto, Adriano Luz e Gilberto Gonçalves
19. DÊDÉ – 1930 Dario/Bario/Gontard/Sr.Lavata, Rogério Vieira, Luís Lima Barreto, António Fonseca, Márcia Breia e Cristina Cavalinhos
20. O PALHAÇO NA PLATEIA – 1925 François/Sr.Loyal, Márcia Breia e Luísa Cruz
21. A PULGA – 1943 Bilboquet/Rhum, Gilberto Gonçalves, Luísa Cruz e Márcia Breia
Apoio de Grupo de Teatro “O Bando”, Francisco Correia e Maria Gonzaga
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. Estreia: 06/01/1990
Porto: Auditório Nacional Carlos Alberto
62 representações
Companhia subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura
Este espectáculo é um espectáculo diferente. Não e um espectáculo como os outros que nesta companhia se costumam fazer. Não sei sequer se é um espectáculo de teatro. Mas sei que é um espectáculo de actores, feito pelos actores, e que quase com certeza é um espectáculo sobre os actores. E tal como nos espectáculos que temos vindo a fazer, tal como no PÚBLICO, tal como no CÉU DE PAPEL, foi para continuarmos a falar desse assunto inesgotável, do teatro e da nossa maneira de estar com o público que fizemos este espectáculo. Por mais temas que o teatro aborde, por mais que dê a pensar, por mais lugares, histórias e personagens que represente, o que fica sempre do teatro é o que mais o aproxima do espectáculo em geral: gente que se mostra a outra gente, um jogo de espelhos, uma elaboração de encontros. O que fica do teatro é acima de tudo aquele estar em frente dos outros, oferecer-se, mostrar-se, sejam os pretextos que para isso se inventem mais ou menos elaborados, mais ou menos civilizados. O que fica do teatro é sempre o actor. É o prazer que temos na sua exibição, na sua transfiguração, na sua capacidade de nos espelhar, de nos deformar, de nos engrandecer ou de nos diminuir. O teatro talvez não esteja, no fundo, tão longe do circo. O actor talvez não seja tão diferente do palhaço.
Para pensarmos nisso, para descobrirmos se a dramaturgia do texto a que estamos habituados não será sempre vencida pela dramaturgia do actor, se o trabalho do actor sobre si próprio, parecido ao do palhaço, não antecede o trabalho sobre todas as peças, sobre todas as ficções, resolvemos fazer esta experiência, esta nossa SALADA (que é confusão, misturada, mas também é qualquer coisa que se faça numa sala para outros verem, parecida com “noitada” e com “pochade”). Resolvemos confrontar actores com textos que não são textos de teatro. Com os textos mais simples, mais esquemáticos, mais livres, mais disponíveis a todas as encarnações e variações, mais patetas: textos de circo, os textos dos números tradicionais dos palhaços o mais próximo possível da sua forma original, antes da acústica dos circos e da sua progressiva internacionalização os ter reduzido quase só a pantomima, acrobática ou malabarismo.
Pensámos que o encontro de actores habituados a criar sentido, procurar na especificidade e na inteligência de um determinado texto a construção de uma situação, da sua personagem e da sua relação com os outros com textos onde os conflitos se reduzem à depuração dos mais básicos conflitos humanos, onde as situações não têm outro lugar senão o lugar da própria apresentação do espectáculo, onde todos os personagens são o Homem em geral ou são o Zé Ninguém, havia de alguma maneira de obrigar o actor a confrontar-se consigo, a redescobrir o mais antigo e o mais importante dos seus prazeres, o prazer de brincar, a sintetizar numa bofetada, num beijo, num tiro, todas as nuances de relações humanas que se habituou a dissecar e acima de tudo a redescobrir a base do seu “métier”, a capacidade de se expôr, o prazer de se construir, mudar a sua voz, andar de outra maneira, usar os olhos, o corpo que tem, aquilo que já aprendeu da vida, até deixar de ser e ser só uma personagem. E oferecer-se assim, sem defesas, corajosamente despido de todos os alibis.
Não quisemos falar dos palhaços. Nem imitar os palhaços. Há nos palhaços, como em todas as formas de espectáculo, convenções específicas, técnicas tradicionais, anos e anos e gerações de elaboração de uma poética própria que admiramos demais para que nos passasse pela cabeça substitui-los, copiá-los. Fomos aprender dos palhaços. Fomos pedir-lhes emprestado um dos seus instrumentos de trabalho (talvez o que mais tenda a ser esquecido, os seus textos) para fazer um trabalho de actores.
Também o processo de trabalho foi diferente. Não houve aqui encenador. Tal como não há encenador no circo. O jogo é demasiado directo e acima de tudo demasiadamente de cada um consigo mesmo e de cada um com o outro com quem joga para que tenha razão de ser mais uma visão de fora, qualquer “ex-machina”. Este espectáculo é diferente também porque é a primeira experiência de trabalho colectivo de encenação da companhia. Foi da maneira mais natural, do que cada um foi trazendo e dando ao trabalho dos outros que foi surgindo o espectáculo a partir de uma mecânica prévia, afinal completamente arbitrária, de distribuição dos papéis e de ligação dos números. Também os figurinos, em que há obviamente referências à maneira tradicional de se vestirem os palhaços, foram construídos a brincar, juntando peças de roupa que podiam ter pertencido a outras pessoas mais sérias e que aqui misturámos em salada com o prazer do disparate a partir da composição física que cada actor foi fazendo. O cenário é outra brincadeira: portas à toa, um palco para brincar como o cenário de CÉU DE PAPEL era um palco para o mesmo jogo a sério.
Este espectáculo fala do teatro como os outros. Mas mais do que tudo é uma brincadeira. Se queremos ser actores a sério não nos podemos levar a sério demais.
Luis Miguel Cintra