TEATRO DO QUOTIDIANO
1. Mariana Espera Casamento
de Jean Paul Wenzel e Claudine Fiévet
Tradução Luís Lucas
Encenação Luis Miguel Cintra
Cenário e figurinos Cristina Reis
Música Telectu
Assistência de cenografia Linda Gomes Teixeira
Montagem Fernando Correia
Luzes José Eduardo Páris e Luis Miguel Cintra
Costureiras Clotilde Dias e Conceição Quadrado
Direcção de cena Francisco Costa
Operação de luzes José Eduardo Páris
Operação de som Amália Barriga
Interpretação
Alda, a mãe Alda Rodrigues
Gilberto, o pai Gilberto Gonçalves
Mariana, a filha de 26 anos Márcia Breia
Margarida, sua irmã de 17 anos Margarida Pinto Correia
Francisco, o namorado de Mariana, 28 anos Francisco Costa
Música
Composições Jorge Lima Barreto/Vítor Rua
Técnico de som Luís Carlos
Mistura Telectu
Sintetizador Juno 6 (Separadores) Jorge Lima Barreto
Acusmática Telectu
Canção
Música Vítor Rua
Adaptação da letra Jorge Lima Barreto
Guitarra electrónica 808 e computador de ritmo Vítor Rua
Computador de ritmo Luís Carlos
Som e mistura Vítor Rua e Luís Carlos
Nota: Rita Blanco substituiu Margarida Pinto Correia
Colaboração de Maria Helena Barata, Jasmim, Ana Jotta, Emília Lima, M. Luísa Madeira Rodrigues, Piedade Lopes, Mininha Bruno Soares, Mariana e Horácio.Colaboraram nas discussões prévias deste espectáculo vários alunos da Escola Secundária de Camões e da Escola Secundária da Cidade Universitária
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. Estreia: 28/05/1983
39 representações
Companhia subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura
O nosso dia a dia tornou-se tão difícil, tão asfixiante, tão obsessivo, que cada vez mais nos impede a alegria, o prazer e a imaginação. Com a que ainda nos resta que faremos? Entre mascarar o nosso mal-estar ou falar dele, escolhemos o segundo caminho, talvez o menos cobarde.
Quisemos com ORATÓRIA trazer esse mal-estar para a cena, encená-Io com tudo o que ele tem de indizível, de interrogações sem resposta, de tensões secretas, de esboroamento de crenças e de fés. Não bastou. Temos ainda vontade de falar do nosso tempo. Falar do nosso tempo é reencontrar ou descobrir sucessivos e diferentes modos desse mal-estar, afinal dessa violência. Com a ORATÓRIA perguntávamos: O mal-estar de que falamos será só nosso? Ainda hoje não sei. Suponho que não. Trazemos agora para o teatro novas insatisfações, outros e diferentes modos de as abordar. Para que a mesma dúvida não morra: afinal o que está mal? Para que a raiva renasça, como dizíamos em 1978 quando fizémos MÚSICA PARA SI do mesmo Kroetz autor de NOVAS PERSPECTIVAS.
Falhado um projecto de colaboração com o Teatro Nacional onde não pudemos ou não soubemos estar, enquanto continuamos a trabalhar para conseguir pôr em cena um dos dramaturgos contemporâneos que mais corajosamente fala disto tudo, Heiner Müller, enquanto, lentamente, como tem de ser, vamos juntando na nossa cabeça e nos nossos corpos imagens, ideias, para A MISSÃO, resolvemos repegar em dois textos do chamado Teatro do Quotidiano(um deles há muito programado por nós para ser representado por Dalila Rocha - a peça de Kroetz, outro uma curta peça de um autor que há muito também queríamos dar a conhecer - Jean-Paul Wenzel, de quem chegámos a ensaiar LONGE DE HAGONDANGE com Augusto Figueiredo e Glicinia Quartin). Resolvemos fazer com eles um díptico, um pequeno ciclo. Para descobrir uma vez mais que as relações de produção se reproduzem dentro de cada um, que cada um não é dono da vida que tem, evidentemente, mas também como quem ilustra com duas radiografias alguns daqueles silêncios interiores da nossa vida. Enquanto sofremos ou não sofremos, a nossa vida é isto. Velhos, novos, passagem do tempo. "Primavera, Verão, Outono, e Inverno" como diz a personagem de NOVAS PERSPECTIVAS. Dois quotidianos diferentes, talvez um mesmo mal-estar que se desconhece a si próprio. Mas se em 1976, quando descobríamos com este teatro aparte de baixo do iceberg, como diz Marieluise Fleisser, era com a esperança de ainda estar a avisar alguém, talvez agora estejamos apenas a construir imagens subterrâneas dum desespero já por demais conhecido, mas que nos recusamos a esquecer, que insistimos em expor, sempre uma chaga em que queremos continuar a tocar. Que outro tom poderia ter o nosso trabalho nas condições em que continuamos a trabalhar, cada vez mais entre tábuas?
Dizia eu, imagens. E um pouco como imagens tratámos os dois espectáculos, que gostaríamos fossem entendidos em conjunto, quase como duas partes de um só. Ambos os espectáculos são personagens e móveis, objectos, contra paredes: paredes da ORATÓRIA, só que agora coloridas, transformadas em lugares, não sei se por economia, se porque temos vontade de agora pôr de encontro às paredes em que se encerravam as nossas dúvidas outros personagens, se, ao contrário, porque na ORATÓRIA nos encerrámos numas paredes "contra as garras do tempo", como diz Heiner Müller, que eram memórias transformadas das paredes destas casas, destas ruas onde estes, todos os quotidianos se passam. Deformámos os espaços espalmámo-los em imagens de desespero mas só até onde foi possível sem destruir a relação mínima funcional entre coisas e pessoas que é a noção de espaço, o oxigénio mínimo para que as personagens vivam, para que o nosso olhar sobre elas não as destrua ou as transfonme em bonecos, para que, apesar de tudo, exista ainda alguma brecha de esperança para a sua voz, para a sua consciência.
Ora aí está. Principal tarefa ao abordar quotidianos assim frágeis, assim tristes: perceber que são iguais ao nosso, não os desprezar, conseguir ser suficientemente humilde para saber distinguir o "não quero" do "não posso". Não quero esta vida, não posso ter outra. Não procurar o prazer na diferença, nem numa inteligência das coisas nascida de privilégio e porventura mais culpada, mais contraditória. De certo modo, amar estas prisões, como afinal amamos as nossas, porque viver, apesar de tudo, conta muito. Mesmo quando viver só significa lavar loiça, fazer um café, ter um canário numa gaiola ou ter o prazer de se suicidar. "No teatro estamos ao mesmo tempo muito perto e muito longe da vida" dizia o Jorge Silva Meio há pouco tempo numa entrevista. Assim mesmo. Queria com este teatro estar tão perto ou tão dentro da vida que queimasse. É esse o perigo: à força de tocarmos nela, a gente acaba por se queimar, matar células, morrer cada vez mais. Que cada um consiga renovar-se mas que ninguém aprenda a defender-se. Que a queimadura não seja tal que não deixe já carinho para entrar dentro destas gravuras, para queimar outra vez.
Luis Miguel Cintra
A música para mariana espera casamento
O grupo Telectu foi convidado por Luis Miguel Cintra para colaborar com a Cornucópia, após a encenação ter sido quase definitivamente estipulada na totalidade da peça e subordinada a indicações precisas do escritor da obra teatral.
Circunscrita a uma “overture”, e à imagística sonora do separador de cenas e adestrita à composição da canção tema (Quem Roubou, Roubará), nos moldes dos pioneiros compositores do cinema sonoro/musical.
Teve de obedecer rigorosamente a exigências do encenador – a canção – tema é cantada por uma actriz (não-música) e a comutação organizada dos programas de rádio e TV, música específica, é ao gosto dos personagens, na medida em que a sonoplastia repõe uma atitude familiar quotidiana.
Mas Telectu atendeu a todos os requisitos, definindo assim esta sua banda sonora musical:
Música electro acústica: todo o som é alterado por transformadores electrónicos ou electricos (delay, frangler, overdrive, echo, fuzoz, chorus…) mas pode derivar de instrumentos electrónicos (sintetizados “Juno 6”, guitarra “Roland 808” ou “Dnunatix”, computador de ritmo).
Música concreta: recurso a sons naturais captados por microfone que podem ser mecânicos (relógio-despertador, máquinas fabrís) ou pré-gravados (multidão no futebol, chuva, chuveiro) ou corporais (vozes, respirações, uso da laringe como concepção do gesto musical, passos).
Música minimal-repetitiva: o uso do Juno 6 em programas repetitivos coordenador com sons concretos minimais. A própria melodia é unidade minimal.
Música acusmática: camuflando as origens da produção sonora implica simulações (chuva alterada/sintetizada como criação artificial).
E o uso de multi-média: o som da rádio ou da TV.
Aqui a palavra ou a locução ou o sentido estético-musical estão libertos da carga semântica; consistem apenas na reposição realista de rituais de comunicação verbal e/ou musical.
A música de Telectu segue as normas da música para cinema: indicadores de local (topo-música), leit-motivs psicológicos, figuras sonoras alusivas a situações cénicas, estabelece díaléctica musical com desenvolvimento da peça, quer antecipando a acção quer adjectivando-a em estruturas copulativas.
Podemos enunciar a nossa música como Teatro-Telectual.
Telectu