O JOGO DAS PERGUNTAS ou A Viagem à Terra Sonora
de Peter Handke
Tradução João Barrento
Encenação Stephan Stroux
Colaboração dramatúrgica Beatrice Babin
Cenário e figurinos Andreas Braito
Assistente de cenografia Luís Mouro com a colaboração de Paulo Frade
Música Miguel Azguime
Montagem Fernando Correia
Assistentes de montagem Alexandre Freitas com a colaboração de José Santos
Luzes Andreas Braito e Stephan Stroux
Montagem e operação de luz Vítor Ribeiro com a colaboração de António José Martins e Rui M. Marcelino
Operação de som António José Martins
Adereços Constança Vale e Suzana Ribeiro com a coordenação de João Calvário, Paulo Frade e Alfredo Martinho
Pintura de telão Atelier Schmidbauer
Filme Synchro Film a partir de material de Helmut Mark
Colaboração Luzeiro
Guarda-roupa Emília Lima
Costureiras Ofélia Lima, Piedade Duarte e Teresa Cavaca
Contra-regra Alfredo Martinho com a colaboração de Fernando Ribeiro
Cartaz Cristina Reis
Interpretação
Um Observador Luís Lima Barreto
Um Desmancha-Prazeres Luis Miguel Cintra
Um Actor Jovem Paulo Oom
Uma Actriz Jovem Luísa Cruz
Um Casal Velho Márcia Breia e Rogério Vieira
Parsifal Miguel Borges
Um-Da-Terra António Fonseca
Colaboração de Yoshi'o Yabara, General Vasco Lourenço, CML (Departamento de Iluminação Pública), Sr. Paulo (J. Cartaxo) e Maria do Carmo Vasconcelos.
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. Estreia: 06/10/1994
34 representações
Companhia subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura
Apoio do Goethe lnstitut de Lisboa, Lisboa'94 Capital Europeia da Cultura
Apoio TSF e SIC
Pela terceira vez em Portugal. Pela terceira vez a encenar em Portugal. Pela terceira vez a tentativa, a coragem, o atrevimento de reflectir, através do teatro, esta cultura que me é estranha. É de doze anos a distância percorrida entre LEÔNCIO e LENA no Porto, O PARQUE no Teatro da Cornucópia e este espectáculo, O JOGO DAS PERGUNTAS de Peter Handke. Irritação e fascínio: como ligar o percurso de uma história pessoal, a minha, com uma realidade complexa, em permanente mudança - a das pessoas deste pais? Como sempre, numa primeira fase, a pesquisa da peça: onde reside a necessidade, o particular, o pessoal, os únicos elementos que podem dar sentido a este trabalho?
Claro que a vontade de trabalhar outra vez com o grupo da Cornucópia é uma razão decisiva. Em todos estes anos permaneceu bem viva a memória do trabalho em O PARQUE: também como um contra-projecto para a maneira de estar das pessoas nas estruturas teatrais alemãs, cada vez mais ensimesmadas apenas nos seus interesses. Para além disso há as pessoas, o público: qual poderá ser a razão, para ele, do nosso trabalho?
A Lisboa’94, o intercâmbio cultural europeu é o pretexto, torna possível mas não é a razão. LEÔNCIO e LENA foi a tentativa de reflectir, como estrangeiro, as impressões da Revolução Portuguesa passados oito anos. O PARQUE, o ensejo para abordar a tensão entre a mitologia, ainda próxima, e o fascínio pelo novo-riquismo burguês.
O JOGO DAS PERGUNTAS? Alguns anos depois da adesão de Portugal à Comunidade Europeia, o estrangeiro que continua estrangeiro sente-se chocado com a pressa nas ruas e nos rostos. Em nenhuma outra parte da Europa sentiu tanto conflito entre o tempo antigo escondido e um desenvolvimento que precipita a perda do tempo, a perda do pensamento, o desaparecimento dos valores para os quais precisamos de tempo. Peter Handke, o grande caminhante da literatura de língua alemã, viveu e escreveu continuamente este conflito. Estar em sintonia com o mundo, ser inteiro em cada momento. Não perder o momento porque apetece algo que vai acontecer. O silêncio, onde podemos ainda ver e ouvir, onde podemos espraiar a fantasia. E, apesar de tudo, isso é um anacronismo. O tempo não anda para trás. A roda não anda mais devagar. O indefinido, os deuses e o oráculo já não existem. Ainda temos tempo para encontrar as perguntas que nos unem e nos fazem sentir vivos ou só nos resta o autismo da pergunta: "Que hei-de eu fazer, eu só?"
Às vezes precisamos de viajar para longe para nos aproximarmos de nós próprios. O facto de ter nascido numa das metades de uma Alemanha, com uma pesada história, fez de mim um desses viajantes. A mudança no meu país pede-me um confronto e uma resposta, através do teatro. Só a credibilidade, os laços pessoais e o prazer de me confrontar com a qualidade artística do Teatro da Cornucópia, e também o fascínio por este país, são responsáveis pelo facto de eu estar outra vez na pele de alguém que faz uma viagem para longe.
Permanece aquele que busca. A viagem leva simultaneamente para longe e para o interior - para a sua língua e para a sua origem.
O JOGO DAS PERGUNTAS é também uma peça sobre o teatro. Há sempre qualquer coisa que está prestes a morrer; há sempre qualquer coisa prestes a perder-se; há sempre qualquer coisa que dolorosamente nos falta: fazer teatro assim é também uma tentativa de encontrar rastos, de conservar a consciência dos valores, de não perder a sensibilidade ao mundo e aos outros, a tentativa de sair do autismo. O esforço impotente para transcender os limites do isolamento e encontrar o sentido da vida é uma questão que se põe sempre em cada etapa da existência e sempre de maneira diferente: As quatro gerações que nesta peça se encontram para fazer a viagem correspondem às diferentes etapas da vida. E todos juntos representam a viagem da vida. Somos sempre Parsifal que se põe a caminho para descobrir o mundo, interrogá-lo cega e violentamente, para conquistá-lo. Somos sempre os jovens amantes, incapazes de sair das próprias imagens e angústias, cheios de desejo mútuo e cada um para seu lado. Somos sempre o pessimista e o optimista, puxando cada um para seu lado no meio dos estragos da vida e do conhecimento do homem, entre a fuga e o reconhecimento dos valores da existência. Somos sempre também o velho casal que, em oposição a "Filémon e Baucis" não realiza o idílio mas a imagem de uma vida perdida e de feridas vividas.
A diferença entre o sonho e a realidade é o horror que mora na grandeza da banalidade. Há um gesto desamparado e terno de continuar juntos apesar das feridas que nos fazemos ou há apenas a impotência de continuar a viver?
Peter Handke disse que este texto era o "seu Fausto". É tão rico quanto complexo. É uma grande criação poética. Para mim Peter Handke sabe esconder muito bem. Arrisca muito e protege-se com a poesia. É um grande encobridor cheio de ironia. Por detrás da poesia está um homem isolado, solitário, um homem em busca, sempre cheio de desespero e ternura, sedento de vida, ardente. Talvez seja esta a razão? Talvez resida aí a ligação aos temas de LEÔNCIO E LENA e de O PARQUE depois de passados estes anos?
Stephan Stroux