Durante um mês Luis Miguel Cintra com alguns dos seus habituais colaboradores levantou o esboço de uma encenação dirigindo 7 muito jovens actores e um actor/encenador um pouco mais velho, escolhidos de entre 45 candidatos. O objectivo era confrontar os jovens actores com um texto difícil, com uma linguagem antiga mas extremamente divertido e inteligente. Resultou um espectáculo inacabado que ganhará ainda mais interesse se passar pela experiência do próprio encontro com o público. Para quem o vir representará também uma oportunidade de conhecer mais alguns jovens com talento e vontade de fazer um teatro que não se limite à festa do encontro com o público e continue a ser uma forma de pensar em conjunto. Jean-Jacques Rousseau, na sua época pré-revolucionária, escreveu um texto que não esconde a sua natureza de filósofo. Há no texto de Rousseau, apesar dos limites imprevistos que um tradutor português lhe pôs, uma evidente vontade de reinventar a civilização ocidental, a sociedade, a política, um projecto de pedagogo que ainda tem incontáveis motivos para ser pertinente na sociedade em que vivemos. Para os que nele trabalhámos, tratou-se também de um exercício de liberdade, sem quaisquer proibições nem constrangimentos ou pressões de mercado. E perante o caso especial de uma candidata com deficiências motoras que, numa atitude de coragem, e saudável ousadia se propôs integrar o grupo, resolvemos acrescentar um papel ao texto traduzido de Rousseau: Maria, talvez uma filha de um jardineiro a quem não deram educação mas que gosta de cantar, um nome que é o nome da própria actriz. A sua presença no espectáculo acrescenta uma evidência ou pelo menos torna mais clara a mais que actual noção da decadência civilizacional perante valores muito mais próximos da natureza. O próprio mito de Narciso dá lugar a uma muito mais franca denúncia de um mundo incapaz de olhar para si-próprio, incapaz de alguma esperança em todos os homens.
16 a 26 de ABRIL
5ª FEIRA 16 e 6ª FEIRA 17 às 21.00h
SÁBADO 18 às 17.00h e às 21.00h
DOMINGO 19 às 17.00h
SÁBADO 25 às 21.00h
DOMINGO 26 às 17.00h
Nos dias 25 e 26 de Abril, depois do espectáculo, o encenador e os actores estarão à disposição do público para uma conversa sobre o trabalho desenvolvido neste Atelier. A entrada para a discussão é livre e sujeita à lotação da sala.
Duração: 1.10h sem intervalo M/12
ATELIER NARCISO
(NARCISO ou O Namorado de Si Mesmo de Jean-Jacques Rousseau)
Apresentação do resultado final de um trabalho intensivo de formação para um grupo pequeno de jovens actores profissionais a partir de uma tradução portuguesa do séc. XVIII da comédia Narcisse ou L’Amant de Lui-même (1734-1754), de Jean-Jacques Rousseau.
Grupo de estagiários
Anabela Ribeiro Narcisa
Lara Mesquita Brísida
Margarida Correia Angélica
António Dente Valério
João Reixa Fonseca
Rui Westermann Leandro
Miguel Sopas Dionísio
Maria Meneses Maria
Direcção Luis Miguel Cintra com a colaboração de Sofia Marques
Acompanhamento para elementos de cenário e figurinos Cristina Reis com a colaboração de Luís Santos e Linda Gomes Teixeira
Costureira Maria do Sameiro Vilela
Iluminação Cristina Reis, Luis Miguel Cintra e Rui Seabra
Montagem Jorge Esteves com João Paulo Araújo e Abel Duarte
O texto foi editado por José Camões e Isabel Pinto em 2012 no CENTRO DE ESTUDOS DE TEATRO DA FACULDADE DE LETRAS DE LISBOA
Duração 1.10h sem intervalo
M/12
Apoio CML
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. 16 a 26/04/2015
7 representações
5ª FEIRA 16 e 6ª FEIRA 17 às 21.00h
SÁBADO 18 às 17.00h e às 21.00h
DOMINGO 19 às 17.00h
SÁBADO 25 às 21.00h
DOMINGO 26 às 17.00h
Estrutura financiada por Secretário de Estado da Cultura/Direcção Geral das Artes
Por uma vez creio que com este trabalho consegui não fazer nenhuma afirmação. O que me motivou foi perceber que podia ser útil a algumas pessoas que já podiam ser meus netos e querem continuar a trabalhar no mesmo ofício, ajudando-os a perceber o que julgo ter aprendido com a experiência de como funciona um teatro que assenta na contra-cena, ou seja no contacto, na troca, na discussão, no diálogo de personagens. Através sobretudo de palavras. E como a própria noção de personagem depende da análise ou da confiança do que entre elas se passa. Percebo que na sociedade em que vivemos e naquilo para que tende o nosso mundo, nada contribui para que este tipo de teatro tenda a subsistir. Mas se viesse a desaparecer seria pena como é pena se os homens passarem a viver fechados entre si-mesmos e um espelho, e deixarem de olhar uns para os outros, zangar-se, rir, discutir, conversar, amar. Como é pena cada um procurar o enganoso refúgio da felicidade no seu eu absoluto, miserável fiscalizado até mais não, mas cheio de direitos democráticos e de regras para o trânsito pelo Planeta Terra.
Este teatro só se pode fazer deixando-se depender do outro, confiando, reagindo, e não afirmando-se. É portanto uma aprendizagem de vida. Não importa que seja uma grande peça ou não, importa que é uma linguagem cénica e uma maneira de pensar o Homem que para continuarmos a trabalhar não podemos ter ignorado.
Tal como nós não olhámos para a sua realização cénica como um espectáculo acabado, peço que também não o olhem assim, e por uma vez consigam fazer o exercício de se colocarem no lugar do outro e entendam o interesse que um exercício destes possa ter.
O teatro na versão em que agora quase em 100% dos casos se tornou, é um “encher chouriços” em que muita gente boa queima o que de melhor tem de seu, e não me interessa. Mesmo quando se dão a conhecer grandes textos, seria preciso que eles fossem ouvidos como tal para valer a pena.
Isto ainda me interessa, ser útil e conhecer quem vem depois. E as coisas acabam por dar certo. Vieram-me parar às mãos, pessoas de quem fico a gostar, pessoas interessantes que aproveitarão disto o que quiserem, mas a quem pelo menos terei contado como éramos para que assim lhes deixemos abertas algumas pequenas portas que julgamos essenciais. E que podem ajudar a não deitar fora o que de melhor a vida teve. E o teatro também.
Entra nisso uma aprendizagem da ironia, exercício de cumplicidade e inteligência que já ninguém pratica. E a generosidade. E o prazer de não estar sozinho, o chamado “plaisir d’amour”, que “ne dure qu’un moment”, é verdade. E mesmo o “chagrin d’amour”, amor que às vezes era tão grande que um desgosto durava toda a vida. Aliás verifiquei, com espanto que essa canção que atravessou tantos séculos, hoje já é desconhecida. “Honni soit qui mal y pense”. Mas as meninas também já não tocam piano nem falam francês. São alemãs, gordas, e só gostam de dinheiro.
Luis Miguel Cintra