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CRONOLOGIA

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118 - 4 AD HOC

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117 - AI AMOR SEM PÉS NEM CABEÇA

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116c - O NOME DE DEUS - O ESTADO DO BOSQUE

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116b - O NOME DE DEUS - Leitura DUAS CARTAS

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116a - O NOME DE DEUS - Leitura GENNARIELLO

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115 - Os Desastres do Amor

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114 - O SONHO DA RAZÃO

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113 - FINGIDO E VERDADEIRO

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112 - A Varanda

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111 - "ELA"

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110 - Morte de Judas

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109 - A Cacatua Verde

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108 - Fim de Citação

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107 - DANÇA DA MORTE / DANÇA DE LA MUERTE

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106 - Olá e Adeusinho

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105 - MISERERE

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104 - A Cidade

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103 - Ifigénia na Táurida

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102 - Menina Else

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101 - A Tempestade

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100 - Os Gigantes da Montanha

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99a - Leôncio e Lena

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99 - Don Carlos, Infante de Espanha

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98 - A Floresta

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97 - O Construtor Solness

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96 - A Tragédia de Júlio César

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95 - Filoctetes

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94 - Ensaios para "O Ginjal"

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93 - A Gaivota

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92 - Sangue no Pescoço do Gato

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91 - A Cadeira

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90 - Um Homem é um Homem

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89 - Esopaida

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88 - A Família Schroffenstein

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87 - Filodemo

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86 - Anatomia Tito Fall of Rome

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85 - Tito Andrónico

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84 - A Vida é Sonho

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83 - Tiestes

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82 - História do Soldado

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81 - O Colar

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80 - O Novo Menoza ou A História do Príncipe Tandi

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79 - Dom João e Fausto

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78 - A Morte de Empédocles

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77 - Hamlet

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76 - The English Cat

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75 - Cimbelino

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74 - AMOR/ENGANOS

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73 - Afabulação

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72 - A Sombra de Mart

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71 - Trilogia Monocromática

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70 - O Casamento de Fígaro

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69 - O Lírio

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68 - Quando Passarem Cinco Anos

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67 - Um Sonho

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66 - Máquina Hamlet

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65 - Sertório

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64 - Os Sete Infantes

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63 - Demónios

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62 - A List

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61 - Barba Azul

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60 - A Margem da Alegria

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59 - Dor

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58 - Um Auto de Gil Vicente

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57 - Splendid's

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56 - A Prisão

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55 - Vai Ver Se Chove

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54 - O Dia de Marte

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53 - O Triunfo do Inverno

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52 - O Jogo das Perguntas

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51 - O Conto de Inverno

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50 - Diálogos Sobre a Pintura na Cidade de Roma

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49 - A Mula, O Clérigo, O Alfaiate e Mais Lamentações

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48 - Sete Portas

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47 - Primavera Negra

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46 - Apanhados no Divã

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45 - Mauser

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44a - Antes que a Noite Venha

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44 - A Missão

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43 - Até Que Como O Quê Quase

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42 - Comédia de Rubena

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41 - Muito Barulho Por Nada

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40a - Façade e The Bear

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40 - Um Poeta Afinado

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39 - Salada

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38 - Céu de Papel

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37 - O Público

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36 - Vida e Morte de Bamba

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35 - Auto da Feira

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34 - Três Irmãs

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33 - Grande Paz

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32 - Vermelhos, Negros e Ignorantes e As Pessoas das Latas de Conserva

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31 - A Mulher do Campo

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30 - A Sonata dos Espectros

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29 - Pai

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28 - A Ilha dos Mortos e Páscoa

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27 - Ricardo III

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26 - O Parque

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25 - Simpatia

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24 - A Missão

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23 - Novas Perspectivas

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22 - Mariana Espera Casamento

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21 - Oratória

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20 - O Labirinto de Creta

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19 - Dou-che-lo Vivo, Dou-che-lo Morto

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18 - Não Se Paga! Não Se Paga!

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17 - Capitão Schelle, Capitão Eçço

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16 - Zuca, Truca, Bazaruca e Artur

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15 - Paragens Mais Remotas Que Estas Terras

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14 - E Não Se Pode Exterminá-lo?

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13 - Woyzeck

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12 - Música Para Si

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11 - Auto da Família

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10 - Casimiro e Carolina

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9 - O Treino do Campeão Antes da Corrida

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8 - Alta Áustria

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7 - Tambores na Noite

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6 - As Músicas Mágicas

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5 - Ah Q

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4 - Pequenos Burgueses

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3 - O Terror e a Miséria no III Reich

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2 - A Ilha dos Escravos e A Herança

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1 - O Misantropo

21 - Oratória

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fotografias de Paulo Cintra e Cristina Reis

 

ORATÓRIA

Uma colagem de textos de Gil Vicente, Goethe e Brecht

 

Gil Vicente

breve sumário da história de deus Diálogos de Lucifer, Belial e Satanás. Cena de Adão e Eva com o Anjo, o Mundo e o Tempo Paráfase do Salmo 50

comédia sobre a divisa da cidade da coimbra Exclamação do muito nobre lavrador e diálogo com um eremitão

auto pastoril da serra da estrela Fala de um eremitão

frágoa de amor Falas de um preto

templo de apolo Fala de Apolo

floresta de enganos falas soltas de vários personagens

frágoa de amor fala da deusa Vénus, rainha da música

breve sumário da história de deus Várias falas de Job

Goethe

prometeu Fragmento dramático da juventude

Brecht

a travessia aérea do oceano peça didática radiofónica 

 

Traduções Luíza Neto Jorge (Gil Vicente) Paulo Quintela (Goethe) Maria Adélia Silva Melo e Maria Fernanda Portela (Brecht)

Encenação Luis Miguel Cintra

Cenário e figurinos Cristina Reis

Música Paulo Brandão

Iluminação Cristina Reis e Luis Miguel Cintra

Assistência de encenação Amália Barriga

Assistência de cenografia Linda Gomes Teixeira

Montagem Fernando Correia

Assistência de montagem João Churro

Instalação eléctrica e operação de luzes José Eduardo

Costureira Isabel Magro

Interpretação musical Lopes e Silva, Vítor Martins e Maria João Serrão

Gravação da banda sonora Joaquim Pinto e Vasco Pimentel

Interpretação

Luis Miguel Cintra, Francisco Costa, Luís Lima Barreto, Rogério Vieira, Raquel Maria, Costa Ferreira (cedido pelo Teatro Nacional D. Maria II) Gilberto Gonçalves, Dalila Rocha, Márcia Breia, Alda Rodrigues

 

Colaboração de Acácio de Almeida, Paola Porru, Sr. Valadares, Mariana, Emília Lima, Robin Jones, Sr. Januário, Elizabeth Flitner, Jasmim, Paulo Quintela, Luís Lindley Cintra, Maria Adelaide Cintra, Suzana Reis, Guiomar Blanc, Sr. Mário Pereira (Woods de Portugal), Srs. M. Oliveira e Costa Pinto (Philips), Srs. Carlos Costa e Maria Virgínia (Metalúrgica da Longra), Srs. Armando Jorge e Eugénio Sena (Companhia Nacional de Bailado), Sonatil, José Ribeiro da Fonte, Eng. Costa (TLP) e Direcção Geral do Património Cultural.

 

Lisboa:  Teatro do Bairro Alto. Estreia: 13/01/1983

53 representações

Companhia subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura

Apoio do Instituto Alemão

 

este espectáculo

 

A Ideia deste Espectáculo

As dificuldades com que trabalhamos, a procura de encontro com o público que queremos e a que somos forçados também por questões de bilheteira, sobretudo uma enorme vontade de verdade, fazem com que o nosso trabalho não seja nunca a simples produção de espectáculos. Fazem com que, de cada vez e a cada passo ponhamos a questão da razão de ser do que fazemos. Com que a cada passo nos perguntemos se vale a pena, se está certo. Sentimos cada vez mais e em cada dia a dificuldade de trabalhar para o público e de não ir atrás dele. Não é por acaso que de há alguns anos para cá centrámos a nossa programação na comédia. Interessava-nos na história dessa descoberta das cumplicidades possíveis, a descoberta das nossas próprias possíveis cumplicidades com um público, com um país a que pertencemos mas que nem sempre reconhecemos como nosso companheiro de trabalho.

o labirinto de creta, nosso espectáculo anterior, representava um encontro com a comédia portuguesa e com uma razão fundamental da nossa actividade, de persistirmos em inventar espectáculos: o puro prazer de, brincar, de criar jogos, alegria. Muitas vezes no entanto, durante a exibição do espectáculo, venceu a sensação de mal estar, a suspeita de que o trabalho da imaginação, a redescoberta do jogo, caía num poço sem resposta, a suspeita de que talvez seja exigir demais pedir agora humor para tão maus dias, a vontade de pôr o dedo nas feridas, de as abrir, de as expor. Foi desse mal estar que nasceu a vontade de transformar outro projecto de trabalho sobre a comédia (a frágoa de amores e a floresta de enganos de Gil Vicente) num espectáculo paragem, num espectáculo reflexão.

Mas afinal qual é a ferida? Ferida dupla: ferida, primeiro, dos nossos credos: em que coisas ainda acreditamos? Que nos faz ainda viver? Ferida, depois, do nosso trabalho, dos nossos processos, da própria actividade teatral.

Ao contrário do espectáculo anterior quisemos construir um espectáculo em que a convenção teatral não existisse, em que esquecêssemos todas as regras com que a “encenação” por tradição se move, em que o lado mais brutal do nosso trabalho – pessoas frente a outras num espaço metáfora de vida – ficasse corajosamente exposto. E quisemos construir um espectáculo em que o próprio mal estar estivesse em cena, em que as respostas para a vida que sabemos já de cor fossem experimentadas, expostas também no corpo e na voz de pessoas frente a outras, coisa que afinal só o teatro pode fazer.

Do Gil Vicente em que trabalhávamos tirámos monólogos, frases, poucos diálogos, a expressão de um mal estar, de uma interrogação que tem na base o tema da Encarnação, a autonomia Deus-Homem da religião cristã.

Justapusémos um fragmento dramático de Goethe, o prometeu, que jogava a resposta romântica com o mito da revolta. Acrescentámos uma pega ,radiofónica de Brecht em que a explicação marxista é ensinada.

Escolhemos afinal textos que não são peças de teatro e não quisemos encená-los. Quisemos que vivessem no palco, quisemos construir um espectáculo em que eles incarnassem, tal como as três respostas que eles representam também vivem como dados culturais dentro de todos nós. Por isso a única regra que inventámos para os organizar entre si foi colá-los, justapô-los, foi deixar que o seu próprio tom, a força que se foi desenvolvendo do encontro de cada um deles, ou de cada sequência, com as vozes e os corpos das personagens-actores, fosse desdobrando o espectáculo em vários modos próprios, e à laia de caleidoscópio. No fundo como acontece dentro das nosas cabeças nessa zona em que já não vence a razão. Quisémos um espectáculo que não se fechasse na sua encenação, um espectáculo em que existisse um vazio, em que a distância entre esses textos e o que está em cena, fosse a distância que deles vai ao nosso tempo, um espectáculo em que se sentisse a falta de uma quarta resposta. Em que também a presença da vida excedesse a nossa teimosia em organizar o mundo.

Ou por outra, não sei se quisémos isso, mas julgo que foi a isso que chegámos. Partimos de uma sensação ou talvez de um sentimento nosso, o do mal estar do nosso tempo. Partimos para o nosso trabalho também de negativas: não há lógica, não há acção, não há tempo, não há lugar. Há pessoas sem lugar, que têm como memória textos, ideias. Houve que descobrir para cada pessoa modos de existência possíveis desses textos. Modos que acabaram por muitas vezes tocar na loucura. Tirámos a esses textos qualquer situação. E inventou-se a situação que daí resulta: a presença do silêncio, de um espaço imaginário (metafórico?) feito de resto de coisas, de fragmentos de um mal estar que não é já o dos textos em si mas o do encontro ou desencontro do nosso tempo com eles. Porque a ideia de desencontro de tempos e de todas as coisas umas com as outras acabou por ser dominante quisémos durante muito tempo chamar ao espectáculo diacronia. Porque o espectáculo ficou religioso, musical, porque não há acção, porque não é bem teatro, porque são vozes em cena, e não num cenário, porque não é ópera pela gravidade que a sua execução nos pede, lhe acabámos por chamar oratória.

 

O trabalho neste espectáculo

Nunca quisemos aprender para usar esse saber. Para pôr o conhecimento a render. Porque isso nos aborrece. E por isso de cada vez que atacamos novo espectáculo é como se começássemos outra vez pelo princípio. Mas nunca tanto como para a preparação de oratória tivemos a sensação de não ter ofício, de partir do zero. Não havia à partida noção de personagem, nem noção de situação, nem movimento, nem conflitos, etc., nada daquelas coisas por onde nos habituámos a levantar um espectáculo. Nem sequer a dramaturgia a partir dos textos nos levaria ao projecto de trabalho que tínhamos em mãos. E curiosamente não sentimos este trabalho como uma experiência, uma tentativa. Era preciso deixar-se estar, deixar-se ver, deixar-se conhecer deixar que algum personagem crescesse em nós sem a gente querer, deixar que textos ecoassem em nós. Tudo isso foi possível graças a uma confiança que só acontece ao fim de anos de trabalho em grupo e amizade entre pessoas.
O resultado creio que acabou por ser uma torre de sinceridade de que nos orgulhamos. Da fragilidade da experimentação saltámos para a força da convicção, para o sentimento de liberdade daqueles momentos graves da vida em que se fala a sério, em que, depois dos grandes desgostos se julga que já nada se tem a perder.

Também no trabalho do cenário e do guarda-roupa nunca tivemos tanto a sensação de tudo ser possível. Claro que havia a ideia de um espaço quase metáfora do nosso tempo, fechado, lugar de espera, claro que também aí toda a ideia de mostra, de exibição, estava excluída à partida, que os fatos deviam formar personagens anónimos como os que existem numa multidão. Mas tal como aconteceu com os actores, foi quase exclusivamente com uma noção de intensidade que se trabalhou. Importou-nos que a luz fosse densa, que cada móvel tivesse um peso de chumbo, que o ar se visse, que o tempo se sentisse, que a côr existisse. Foi , por exemplo, por aí, que chegámos a alguns fatos que são antiquados, foi por aí que nos encontrámos com a diacronia de todas as coisas que pusemos em cena. Nas primeiras páginas de O Mito de Sísifo de A. Camus fomos depois encontrar a descrição do resultado a que chegámos: “num universo subitamente privado de ilusões e de luzes, o homem sente-se um estrangeiro. Este exílio não tem recurso uma vez que está privado de recordações de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida. Este divórcio do homem com a sua vida, do actor com o seu cenário, é exactamente o sentimento do absurdo”.

A música deveria entrar neste jogo de ineficácias, ser uma voz de gravador em cena contra o silêncio que é afinal a verdadeira música da nossa oratória.

O espectáculo aqui está “para o que der e vier”. Fica-nos como sempre e a cada instante, uma dúvida: o mal estar de que falamos será o nosso? Fica-nos uma dúvida nova: estaremos ainda a trabalhar em teatro ou o que nos interessa é já só a atitude, o compromisso moral? Dizíamos no programa de o labirinto de creta que não acreditamos se calhar já em regras nenhumas para se fazer teatro. Importa-nos de facto mais viver a sério. Trabalhar no teatro é, de facto, para nós uma necessidade vital.

Luis Miguel Cintra

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